Publicado por José Geraldo Magalhães Jr. em Notícias, Internacional - 16/04/2018 às 08:28:16
Uma guerra inacabável: entenda o que está em jogo na Síria
O primeiro dos ataques, ocorrido próximo de Damasco, teve como objetivo um centro de pesquisa científico utilizado, segundo o chefe do Estado Maior Conjunto de EUA, general Joseph Dunford, para "a pesquisa, desenvolvimento, produção e provas de armas químicas e biológicas".HASSAN AMMAR (AP)
Síria, Damasco, Mar Mediterrâneo entre outras mencionadas na Bíblia, são palavras conhecidas dos cristãos. Com mais intensidade, a Síria tem sido palco de constantes guerras, mesmo antes do anúncio de ataque à Síria do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na última sexta-feira, 13. Muitos sírios reclamavam dos altos índices de desemprego, corrupção e falta de liberdade política sob o presidente Bashar al-Assad, que sucedeu seu pai, Hafez, após sua morte, em 2000. Em março de 2011, protestos pró-democracia eclodiram na cidade de Deraa, ao sul do país, inspirados pelos levantes da Primavera Árabe em países vizinhos.
O conflito da Síria parece estar a um passo de se transformar em guerra mundial, haja vista a internacionalização das forças em confronto, mas ainda não ultrapassou a categoria de contenda regional com múltiplas frentes abertas. Depois de sete anos de guerra civil — meio milhão de mortos, a metade da população desabrigada pelos combates e dependente da ajuda exterior —, a intervenção ordenada pelo presidente Donald Trump para castigar Damasco pelo ataque químico de sábado passado dificilmente influirá na divisão territorial do país. O presidente Bashar al Assad controla quase dois terços do território e consolidou sua vitória sobre os rebeldes, aquartelados no norte e em alguns bolsões restritos do centro e do sul, graças ao apoio de Rússia, Irã e seus aliados xiitas.
Os Estados Unidos, que quase deram por concluída a missão contra o Estado Islâmico, se dispõem a deixar à própria sorte os aliados curdos que o ajudaram a enfrentar o EI e que agora dominam outro terço do país. A Turquia irrompeu em solo sírio para se apoderar de um cordão de segurança na fronteira que lhe permita manter a influência sobre os insurgentes do norte. Israel e outros vizinhos observam atentos as mudanças no tabuleiro sírio para reagir em função de seus interesses. Estas são as posições do front depois da represália dos EUA, secundada por França e Reino Unido.
Regime sírio
Domina a chamada Síria útil, as grandes cidades, o litoral e as regiões férteis. Mediante assédios, ofensivas esmagadoras e “pactos de reconciliação” (rendição em troca de uma evacuação segura), está se apoderando dos redutos da oposição. A campanha da Guta Oriental, na periferia da capital, termina exatamente com o recuo dos rebeldes de Jaish al Islam depois do bombardeio químico denunciado em Duma. Al Assad praticamente venceu a guerra, mas mantém-se associado e à mercê de seus aliados de Moscou e Teerã, que o salvaram há três anos de uma derrota iminente.
Rússia
Vladimir Putin reforçou o destacamento de sua melhor aviação de combate na Síria em setembro de 2015. Agiu em defesa de sua única base aeronaval no Mediterrâneo, apesar de que parece ter ocupado aos poucos o espaço abandonado por Washington no Oriente Médio. Cerca de 50.000 militares russos passaram em sucessivas rotações pelo front sírio. Com seus sistemas de mísseis terra-ar S-400 domina o espaço aéreo, de forma que EUA e Israel notificam o país de seus voos para evitar enfrentamentos acidentais. O Kremlin se apresenta como vencedor visível do conflito.
Irã e as milícias xiitas
Os oficiais da Guarda Revolucionária enquadram dezenas de milhares de milicianos xiitas do Líbano (Hezbollah) e Iraque, que constituem a verdadeira tropa de choque — e bucha de canhão — das fileiras governamentais. Teerã tenta erigir uma “ponte terrestre” até o Líbano passando por Iraque e Síria para consolidar sua hegemonia sobre três nações com forte prevalência do ramo muçulmano xiita. Este plano iraniano é visto com preocupação pelo Ocidente.
Oposição sunita
Centenas de milhares de combatentes de milícias islâmicas sunitas foram se reagrupando no norte da Síria, na província de Idlib e em parte da de Alepo, depois de serem expulsos pelo Exército do regime de seus territórios. Tahrir al-Sham, que integra a antiga Frente al Nusra (filial da Al Qaeda) e outros grupos salafistas são as forças preponderantes. A oposição no exílio conseguiu reunir-se em torno de uma plataforma que exige a saída de Al Assad do poder para poder negociar com o regime.
Milícias curdas
Mais de 50.000 combatentes curtidos na luta contra o Estado Islâmico controlam duas terças partes da fronteira com a Turquia e grandes trechos do vale do Eufrates. Tentam uma aproximação do Governo de Damasco e da Rússia depois do anunciado recuo dos EUA, que até agora foram seu principal defensor na contenda.
Estados Unidos
A Casa Branca pretendia retirar os 2.000 a 4.000 militares das forças especiais destacados na Síria para assessorar as milícias curdas, apesar de o Pentágono considerar a ideia prematura ainda. O voo dado por Trump depois das denúncias do ataque químico em Duma pode levar os EUA a reconsiderar a presença militar e seu envolvimento na guerra. Na campanha eleitoral Trump garantiu que o único objetivo era a derrota do Estado Islâmico.
Turquia
O Exército de Ancara se apoderou de uma ampla faixa de território sírio em paralelo à fronteira norte-ocidental. Com o apoio de forças rebeldes do Exército Livre da Síria desalojou este ano as milícias curdas do cantão de Afrin e garantiu posições diante de uma divisão territorial depois da guerra.
Estado Islâmico
Centenas de jihadistas vagam ainda pelo deserto que separa a Síria do Iraque, sem serem totalmente erradicados. O califado territorial fundado por Abu Bakr al Baghdadi em 2014 passou para a história. Mas a ameaça de terror jihadista global do EI não desapareceu.
Israel
Putin telefonou para o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu para estimulá-lo a não desestabilizar a Síria com uma intervenção como a que foi atribuída à aviação israelense esta semana. Israel rechaça “a qualquer preço” que o Irã se estabeleça como potência militar no vizinho país árabe.
Com informações El País