Publicado por Redação em Nacional - 19/07/2024 às 14:10:20

Palavra Episcopal

Deserto

 

“Lembrem-se de todo o caminho pelo qual o Senhor, seu Deus, os guiou no deserto durante estes quarenta anos, para humilhar vocês, para pôr vocês à prova, para saber o que estava no coração de vocês, se guardariam ou não os seus mandamentos.” (Dt 8:2)
 

Estudando sobre a vida de Moisés, encontramos alguém que teve seu projeto de vida totalmente modificado pela ação do Senhor. De filho de escravos, se tornou neto do Faraó e depois pastor de ovelhas do sogro; foi do conforto do divã do palácio para o rústico e inóspito deserto; de alguém versado em toda ciência do Egito e no barulho da corte para o silêncio do pastoreio. E Deus estava em todo esse processo. 

E antes do triunfo da libertação dos escravos, passou por uma longa temporada em “midbar” (deserto); o lugar da preparação, da superação das limitações espirituais, físicas e emocionais. É o lugar da dependência – é onde Deus se revela. 

Essa escola teve vários alunos: Abraão, que saiu de sua terra peregrinando em campos e desertos e tornou-se o Pai da Fé; Hagar, quando foi lançada grávida ao deserto, experimentou o suprimento do Deus que “tudo vê”; João Batista, que tinha seu púlpito na areia do deserto; entre outros, todos foram forjados nessa academia.

Nosso Senhor Jesus, antes de iniciar Seu ministério, após ser cheio do Espírito Santo, não foi para as multidões, mas dirigido pelo mesmo Espírito foi para o deserto – nos ensinando que se Ele passou por isso, nós passaremos também e como Ele venceu usando a Palavra, venceremos também. Esse não foi o único deserto que Ele passou, veja:

• Passou pelo deserto da rejeição, pois na sinagoga em Nazaré, que ele frequentou por toda a vida, quase foi morto após uma pregação;
• Passou pelo deserto da incredulidade, pois seus próprios irmãos não criam nEle;
• Passou pelo deserto da perseguição dos seus próprios patrícios;
• Passou pelo deserto da dureza de coração dos que o ouviam;
• Passou pelo deserto da traição e incompreensão;
• Passou pelo seu pior deserto, pois como estava carregando nos ombros nossos pecados, sentiu a ausência do Pai. Jesus experimentou essa distância para que nós nos aproximássemos do Pai; enfim, podíamos continuar, mas quero trazer o resultado desses desertos na vida do nosso Senhor Jesus, nas palavras do profeta Isaías: “O (penoso) trabalho da sua alma ele verá e ficará satisfeito; com o seu conhecimento, o meu servo, o justo, justificará a muitos, porque as iniquidades deles
levará sobre si.
” (Is 53:11) 

O deserto é também o lugar da santificação. Os israelitas passaram 400 anos no Egito; chegaram bem com José e ficaram todo esse tempo assimilando os costumes, a idolatria, os valores egípcios e depois se tornaram escravos. Entrar na Terra Prometida com o coração assim “infernizaria” tudo. Por isso, Deus levanta Moisés para escrever o livro de Deuteronômio antes de entrar em Canaã. Nesse livro, Moisés reafirma as Leis, mandamentos e ordenanças do Senhor. Trabalha ainda que o tempo do deserto teve vários propósitos, entre eles tirar o Egito do coração do povo, levar cada um à prova da fidelidade. A nação precisava se conhecer pela sondagem do deserto, onde toda vulnerabilidade apareceria. Deus conhecia cada coração, mas todo povo precisava se conhecer e reconhecer  quem era o Senhor que os libertou. 

Esse amargo remédio tinha ainda o objetivo de tirar todo orgulho; isso é formalizado na sequência em Dt 8:13: “...depois que multiplicarem o seu gado, a sua prata e ouro e ser abundante o que vocês têm, se eleve o seu coração e se esqueça do Senhor, seu Deus que os tirou do Egito, da casa de servidão...”

A tendência de se esquecer de Deus quando tudo vai muito bem é coisaantiga. Quando uma pessoa não é tentada na falta ou no fracasso, com certeza será tentada no sucesso. Salomão escreveu: “Porque o desvio do simples o matará, e a prosperidade dos tolos os destruirá” (Pv 1:32). O falso bem-estar leva o homem à perdição.

A memória desses fatos deveria acompanhar o povo de geração em geração através da Festa da Páscoa.

Voltando ao deserto e parafraseando Santo Agostinho, o deserto é o lugar onde a “suficiência humana se declara insuficiente” e revela o quanto somos dependentes de Deus.

Vivemos um tempo árido nas nossas instituições, onde às vezes nos sentimos como no casamento de Caná da Galileia, onde os suprimentos humanos para a festa faltaram. Mas não podemos perder de vista que Jesus havia sido convidado, e onde Ele está, o milagre acontece. Dia a dia temos experimentado milagres na nossa Igreja. Jesus está conosco – isso é o melhor de tudo. 

Passando pelos desertos, recordamos que eles não são o nosso destino final, mas aprendemos o quanto carecemos do Senhor, necessitamos da Sua Palavra e da Sua doce presença, pois o Senhor conosco “...faz do vale árido um manancial...” (Sl 84:6)

Quero finalizar com um texto que eu li há algum tempo: “A potência de transformar o deserto em um jardim está na Palavra (dabar, em hebraico). Esta transformará o deserto e reformará a vida. O jogo de dissonâncias entre ´midbar e dabar`, amados pela tradição rabínica, exprime a luta dramática que está no centro da esperança de Israel e, portanto, também da esperança da igreja, da qual Israel é a ´raiz santa` (Rom 11:16-18). Somente a Palavra do Deus vivo poderá fazer da terra tornada árida pelo pecado o jardim das novas delícias, cantadas em Cântico dos Cânticos. Mas, para se cumprir a missão, a Palavra, caindo do alto omo a chuva (Is 55:11), deverá sumir na terra. Só então ele poderá vivificar o deserto do mundo e o deserto do coração, segundo o que foi anunciado pelo profeta: ´Portanto, eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração` (Os 2:16).”

Que Deus nos abençoe.

 

Bispo Fernando Cesar Monteiro
Bispo da 6ª Região Eclesiástica


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