Publicado por Redação em Notícia, Reflexão, Nacional, Banner, Opinião - 02/10/2017 às 15:09:07
O mal nosso de cada dia e a redução da idade penal
Entrou na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal o substitutivo apresentado pelo senador Ricardo Ferraço, na proposta de Emenda Constitucional (PEC) 33/2012 de autoria do senador Aloyzio Nunes, que pretende reduzir a idade penal de 18 para 16 anos. Parece que a medida de maldade de nossos políticos contra a parte mais vulnerável da população não tem fim num País onde se nega direitos básicos a serviços públicos, como educação, saúde, lazer e segurança. Onde se mata tantos/as jovens, falar em reduzir a idade penal não pode ter outra explicação senão a maldade.
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Segundo o escritor José Antônio Pagola, no livro Jesus: Aproximação Histórica, “os autores apocalípticos descreviam de maneira sombria a situação que se vivia em Israel. O mal invade tudo. Tudo está submetido a Satanás. Todos os males, sofrimentos e desgraças estão personalizados nele. Esta visão mítica não era uma ingenuidade. Aqueles/as visionários/as sabiam muito bem que a maldade nasce do coração de cada indivíduo, mas constatavam como ela toma corpo na sociedade, nas leis e nos costumes para terminar corrompendo tudo. A maldade está aí para além da atuação de cada um/a; todos/as a absorvem do meio social e religioso como uma força satânica que os/as condiciona, os/as submete e desumaniza”.
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Nosso mundo, apesar de belo, é também marcado pela maldade. Nos tempos de Moisés, o Faraó decretou a morte dos meninos judeus (Ex 1.16-22); no tempo do nascimento de Jesus, a ordem de assassinato contra as crianças se repete pelo governante da época (Mt 2.13-18).
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Vejamos alguns sinais da maldade que insiste em atingir nossas crianças, adolescentes e jovens na atualidade.
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Mapa da Violência
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O Atlas da Violência 2017 (https://goo.gl/13yuWK), lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela que homens, jovens, negros de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no País. A população negra corresponde à maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios. Atualmente, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras.
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Não obstante, a nossa tragédia diária nos últimos anos atingiu contornos inimagináveis: apenas em três semanas foram assassinadas no Brasil mais pessoas do que o total de mortos/as em todos os ataques terroristas no mundo nos cinco primeiros meses de 2017, que envolveram 498 atentados, resultando em 3.314 vítimas fatais.
O quadro de violência se agrava muito mais se analisarmos os dados do sistema prisional brasileiro, para onde os/as parlamentares e governantes querem enviar os/as adolescentes e jovens com a proposta de rebaixamento da idade penal de 18 para 16 anos.
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As rebeliões ocorridas em alguns presídios no início do ano representam a fotografia mais trágica da bomba-relógio que é o sistema penitenciário brasileiro. A taxa de mortalidade intencional dentro do sistema penitenciário brasileiro é altíssima. Segundo o próprio Ministério da Justiça, uma pessoa que está presa tem seis vezes mais chances de morrer do que uma pessoa fora das cadeias. A média nacional de morte intencional no primeiro semestre de 2014 dentro do sistema penitenciário foi de 8,6 para 10 mil presos.
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Como mostram os números acima, a violência nos presídios evidencia um sistema distorcido. Neste contexto, o surgimento das facções é alimentado pelas condições degradantes das unidades prisionais, pela precariedade do acesso à Justiça e, sobretudo, pela fracassada política de “guerra às drogas” (Dados da ONG Conectas DH).
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Olhando para os dados da violência e homicídios cometidos contra a população jovem e para a situação dos presídios brasileiros, não tem como chegar à conclusão de que a melhor solução seria enviar os/as jovens mais cedo para este sistema. Certamente que os/as parlamentares, com apoio do governo Temer, que defende tal mudança na Constituição, não estão buscando o bem comum da população, mas sim, punir uma parcela a quem tem sido negados seus direitos de forma sistemática.
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Voltando a Pagola, com quem iniciamos este texto, ele nos dá uma esperança nestes tempos apocalípticos que vivemos, afirmando que Jesus anuncia que Deus já começou a invadir o reino de Satanás e a destruir seu poder. Deus vem destruir não as pessoas, mas o mal que está na raiz de tudo. Jesus fala convicto: “Vi Satanás cair do céu como um raio”. Deus chega para libertar a todos e todas do poder do mal. Este combate não é mítico, mas um enfrentamento real e concreto que acontece constantemente na história humana. O Reino de Deus abre caminho onde a vida humana está sendo aviltada. Deus é o “antimal” que vai destruir tudo o que causa dano ao ser humano, que Ele criou à sua imagem e semelhança.
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Segundo John Stott, no livro Os Cristãos e os Desafios Contemporâneos, a origem dos Direitos Humanos é a Criação. Os seres humanos nunca os adquiriram nem governo algum os auferiu. Nós os temos desde o princípio. Eles são inerentes à nossa Criação. Eles foram concedidos a nós por aquele que nos fez. Para Stott, a dignidade do ser humano é afirmada desde o princípio da Criação.
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Tanto na Bíblia como hoje, uma minoria profética nunca aceitou nem aceita a ideologia dominante e sempre lutará em defesa da vida ameaçada das crianças, adolescentes e jovens. Na Bíblia, esta minoria soube encontrar instrumentos adequados para conduzir a luta e obter alguns resultados. Foi a fé em Deus e o amor à vida que foram capazes de abrir uma brecha nesta muralha impenetrável e encontrar saída para a promoção da vida em meio à morte.
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O autor Eugene Peterson, em seu livro de meditações Um ano com Jesus, afirma que Deus se revela, Ele não se oculta. Deus tem prazer em compartilhar conosco seus planos e ações.
Ações para sua Igreja
- O tema movimentou o Congresso e as organizações de defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes, mas a nossa luta contra o mal que oprime cada ser humano precisa ser constante. Minha pergunta é o que faremos como Igreja que crê no Deus da vida diante desta situação? Eu gostaria de dar algumas sugestões, mas cada qual deve buscar agir a partir de seu contexto e área de atuação:
- Reúna um grupo de irmãos e irmãs de sua comunidade e organize rodas de oração e conversa sobre a realidade da violência cometida contra os/as jovens.
- Procure saber os números de mortes de adolescentes e jovens de sua cidade. Por exemplo: das dez capitais mais violentas do Brasil, oito delas estão no Nordeste. Fortaleza está em primeiro lugar.
- Visite uma reunião do Conselho Municipal dos Direitos da Criança de sua cidade e procure saber o que eles/as têm feito em relação a esse tema. As reuniões dos conselhos são públicas.
- Tente visitar os familiares de algum/a jovem que foi morto/a como vítima da violência, leve consolo para a família, sem julgamentos, e busque compreender e apoiar a partir de sua igreja local ou trabalho.
- Convide uma pessoa cristã para dar um testemunho em uma reunião de sua igreja, acerte isso com seu pastor ou pastora. Envolva o grupo de mulheres de sua igreja nessa iniciativa.
- Busque ler sobre o assunto, não deixe que os programas sensacionalistas “façam a sua cabeça”. Bandido bom não é bandido morto, e sim salvo e liberto para servir ao Senhor e viver com dignidade.
- Procure os/as deputados/as federais e senadores/as de seu estado e busque saber sua posição sobre este tema e quais argumentos eles/as têm para sustentá-la.
Vários movimentos e organizações da sociedade civil, alguns baseados na fé, têm se mobilizado contra a violência. Procure conhecer e, quem sabe, fazer parte.
Saiba o posicionamento da Igreja Metodista sobre maior idade penal.
Veja também links sobre Direitos Humanos
https://visaomundial.org/
http://www.conectas.org/
https://ibccrim.org.br/
https://igarape.org.br/
https://www.unicef.org/brazil/pt/
http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/conselho-nacional-dos-direitos-da-crianca-e-do-adolescente-conanda
Pr. Welinton Pereira da Silva
Diretor de Relações Institucionais e Advocacy da ONG Visão Mundial
Coordenador da Pastoral de Direitos Humanos da Igreja Metodista
Mestrando em Direitos Humanos e Cidadania da Universidade de Brasília – UNB
Publicado originalmente no Expositor Cristão de outubro/2017