Publicado por Redação em Notícias, Capa - 29/08/2018 às 10:53:56
O legado do Reverendo Guaracy Silveira
Todos os anos relembramos a autonomia da Igreja Metodista, que ocorreu no dia 2 de setembro de 1930. Em 2018, completa-se 88 anos desse feito histórico. Nesta edição, queremos relembrar um pouco a autonomia, mas também a vida do Rev. Guaracy Silveira. Estivemos na casa das filhas do Rev. Guaracy – Elena Gracia da Silveira, 86, e Noemi Crem Silveira, 90, residentes em Vila Mariana, São Paulo. O neto Guaracy Silveira Neto, que perdeu o avô aos seis anos, também esteve presente nesse encontro, realizado em meados de agosto.
Foto: Rev. Guaracy Silveira foi o primeiro parlamentar protestante. | © Aquivo pessoal
Nos anos iniciais da autonomia (1930 a 1934), aconteceram fatos importantes, entre eles, a elaboração de uma Constituição e a eleição do primeiro bispo, cuja escolha recaiu em John William Tarboux, eleito quando já estava jubilado e há alguns anos longe do Brasil. Ele tinha sido um dos mais brilhantes pioneiros, ao lado de James L. Kennedy e Hugh C. Tucker, o chamado Trio de Ouro, justamente os três membros da Conferência de 1886, presidida pelo bispo J. C. Granbery, que transformou a missão em Igreja Metodista Episcopal do Sul, nome da Igreja até a Autonomia.
Segundo artigo do metodista João Wesley Dornelas, já falecido, a igreja brasileira manifestou, nas conferências gerais de 1927 e 1929, as intenções de fazê-lo bispo da igreja autônoma. Chegou a pedir à Igreja Mãe que o elegesse e o nomeasse, em tempo integral, para o Brasil. “É claro que não havia nenhuma obrigatoriedade de elegê-lo, mas ele, apesar de residir nos Estados Unidos, foi eleito, viajou para o Brasil e foi consagrado pouco mais de um mês depois, em 12 de outubro, na Igreja Metodista do Catete, no Rio de Janeiro/RJ”, dizia Dornelas.
Foi por meio das páginas do Jornal Expositor Cristão, que naquela época era praticamente a única fonte de informação para a Igreja, que se pôde sentir a alegria dos/as metodistas pela escolha de Tarboux, mas era evidente que os membros careciam de uma real implantação de Autonomia, de um bispo mais jovem e, se possível, brasileiro – o que aconteceu em 1934 com a eleição de César Dacorso Filho, em Porto Alegre/RS, naquele ano.
Em artigo sobre o episcopado, também publicado no Expositor Cristão, em fevereiro de 1933, muito possivelmente escrito pelo Rev. Guaracy Silveira, que era o redator-chefe do jornal e não tinha o hábito de assinar suas matérias, ele comentou o trabalho de Tarboux como bispo. “…chamado em sua velhice para o cargo de tão grande responsabilidade, fez tudo quanto era lícito esperar dele, e muito acima do que poderíamos esperar, e ninguém duvida que ele foi o homem que Deus nos deparou para as notáveis realizações do Metodismo nestes três anos de sua vida autônoma”.
O primeiro bispo brasileiro, César Dacorso Filho, foi o homem certo para a tarefa e ele planejava não ir ao Concílio Geral de Porto Alegre, que o elegeu. Um dos que tentaram convencê-lo a ir foi Guaracy Silveira, conforme mencionado no Expositor Cristão em 24 de janeiro de 1934, em depoimento sobre o novo bispo, no qual declara: “A eleição do novo bispo veio encher de alegria a todos que o conhecem. Moço humilde, de grande cultura, enérgico e capaz de resolver com prudência todas as dificuldades que surjam nos concílios e nos pastorados, sempre fiel a todas as obrigações dos cargos que tem ocupado, ele será nestes seis anos um fator de paz e desenvolvimento da Igreja”.
O Rev. Guaracy Silveira relata que, antes do Concílio Geral, lhe escrevera uma carta informando que um grupo do Concílio Central escolhia o seu nome para bispo, tendo César respondido, em carta de quatro laudas, expondo os motivos que tinha para fugir à investidura. Guaracy completa: “motivos justos aos seus olhos, mas que aos nossos não impediam que o escolhêssemos. Homens assim, que fogem às honras, são os únicos capazes de cumprir os deveres que lhe são confiados”.
Família
Numa pesquisa sobre a vida do metodista Guaracy Silveira, encontramos o contato do trineto dele, o médico Dr. Thiago da Silveira Manzione. Posteriormente, o da mãe de Thiago, a Nancy da Silveira Manzione, que deu os encaminhamentos para a entrevista com as duas filhas do Rev. Guaracy Silveira.
Foto: As duas filhas do Rev. Guaracy Silveira: dona Elena e Noemi Silveira. - José Geraldo Magalhães
O neto Guaracy da Silveira Neto, advogado aposentado, estava ao lado das duas tias (filhas de Guaracy), Elena Gracia da Silveira e Noemi Crem Silveira. Ele compartilhou que o nome do avô lhe abriu muitas portas na carreira de advocacia porque o avô era muito conhecido. “Na minha vida escolar inteira até a faculdade, sempre me perguntavam se eu era neto de Guaracy. Eu tive uma causa em Taubaté que corria aqui no Fórum de São Paulo, mas eu tinha que ir ao Fórum de lá. Fui para o cartório e o que eu precisava era muito difícil naquela época. O cartorário pegou meu pedido e me perguntou se eu era neto do Guaracy. Eu disse que sim, e ele disse que eu podia ficar tranquilo que ele iria providenciar tudo. Trouxe o documento no mesmo dia. Algo que era difícil naquela época”, disse Guaracy Neto. E continuou: “Fico pensando… Meu avô deveria ter um papo excelente. Gostaria de um tempo a mais para ter a oportunidade de conversar mais com meu avô. Lamentei isso por vários anos”, disse.
As duas filhas do Rev. Guaracy Silveira moram em Vila Mariana e frequentam a igreja do bairro há vários anos. “Ele era uma pessoa muito meiga com a gente. Nunca vi papai gritar. Tudo era conversado. Ele era muito presente na nossa vida”, disse Elena.
Sobre autonomia, a d. Elena se refere com alegria ao processo de autonomia. “Nós vemos uma coisa muito boa na Igreja com a contribuição do papai no processo de autonomia. Hoje vemos uma igreja muito atuante e temos uma lembrança muito boa pelos relatos e registros históricos”.
A filha mais velha, Noemi Crem Silveira, destacou a bondade do pai. “Ele defendia muito as pessoas. Saía em defesa dos/as mais fracos/as. Um dia eu falei para ele que no fundo, no fundo, até o diabo era bom. Aí ele deu risada, mas o papai era muito bom para todas as pessoas”, relatou Noemi.
No período que o Rev. Guaracy atuou na política, a família sentiu a ausência. “Eu senti muito quando o papai assumiu a política porque ele ficava muito no Rio. Tanto que naquela época eu perdi o ano. Tomei bomba e ele não me passou um “pito”. Eu não queria estudar mais. Aí eu disse que queria estudar no Colégio Interno Piracicabano. Foi lá que concluí até a 4ª série”, disse d. Elena.
O Rev. Guaracy Silveira, foi ex-aluno de seminário católico, converteu-se ao ouvir uma palestra de um padre francês. “Daquele dia em diante ele se transformou. Ele lia a Bíblia escondido porque não podia naquela época. Somente depois que ele entrou no seminário protestante. Largou a batina e colocou um terno”, finalizou d. Elena.
A memória do metodista e ex-deputado federal está preservada na vida da família, no Centro de Memória Metodista Rev. Guaracy Silveira, em São Bernardo do Campo, na Escola Técnica de 2º Grau, em São Paulo, que leva o nome de Rev. Guaracy Silveira para relembrar a importância desse servo de Deus que também atuou fortemente na sociedade. As entrevistas em vídeo com as filhas do Rev. Guaracy Silveira, você confere no site www.expositorcristao.com.br na segunda quinzena de setembro.
Autonomia
O resumo da tese do Dr. Cilas Ferraz de Oliveira – Nunca, na história deste país… A contribuição de Guaracy Silveira ao metodismo do Brasil – traz registros importantes. “Guaracy Silveira foi o primeiro pastor protestante da história do parlamento brasileiro. Eleito em 1933, em consequência de sua importante participação na luta contra o ensino religioso nas escolas públicas de São Paulo, participou das Assembleias Constituintes de 1934 e 1946. Protagonista importante no processo de autonomia da Igreja Metodista do Brasil, ocorrida em 1930, e exercendo tarefas de destaque desde sua adesão ao metodismo, a experiência parlamentar contribuiu de maneira decisiva para o aprofundamento de suas convicções a respeito do papel da igreja na sociedade. Dedicado aprendiz dos procedimentos democráticos que norteavam o debate no parlamento brasileiro, tornou-se extremamente vigilante e passou a exigir das autoridades eclesiásticas maior fidelidade ao projeto de um metodismo democrático”.
O Rev. Guaracy Silveira foi uma das pessoas mais importantes no processo de autonomia, como lembra o Dr. Cilas. “O movimento nacionalista que prevaleceu no metodismo brasileiro era liberal e despertou nos pastores, leigos e leigas metodistas, a aspiração por uma igreja nacional governada por brasileiros, uma centralização administrativa que facilitasse a comunicação e as decisões da Igreja no território brasileiro, a busca de sustentação do ministério pastoral nacional”, defende o pesquisador.
Cilas continua sua pesquisa acreditando que o movimento pela autonomia também expressou o esforço dos/as metodistas brasileiros/as em conseguir maior participação e poder nas decisões tomadas na estrutura da Igreja. “O que prevaleceu nesse movimento não foi a ruptura, o sectarismo, mas o alargamento da igreja metodista no Brasil, sua unidade e participação dos/as brasileiros/as”.
Já em 1928, dois anos antes da Autonomia, o Rev. Guaracy faz apontamentos de como seria uma igreja relevante – ideal de um metodismo mundial, com igrejas livres e autônomas em cada país, e mesmo em cada região distinta de cada país, unidas todas por um Concílio Geral, o único capaz de mudar a lei e a disciplina nos pontos essenciais.
Seria esse Concílio o ponto de contato do metodismo, o instrumento capaz de uma supervisão mundial do trabalho metodista, o distribuidor de forças missionárias. Diz ele: “Com este ideal, é claro que eu não posso desejar nossa independência completa. Entretanto, a autonomia como eu a compreendo vem resolver nossa legítima aspiração”.
Os anos se passaram, mas um legado nos foi dado. Guaracy Silveira, homem que testemunhou o evangelho, atuou na missão e contribuiu com a Igreja Metodista. Em São Paulo, uma Escola Técnica leva o seu nome para testemunhar o que ele representa para a sociedade.
A tese do Dr. Cilaz Ferraz está disponível publicamente no site do Expositor Cristão e também no site da Unimep.
A biografia completa do Rev. Guaracy Silveira também está em nosso site. Acesse aqui.
ÁRVORE GENEALÓGICA
Descendentes do Rev. Guaracy Silveira e de sua esposa, Etelvina Crem Silveira.
(CLIQUE NA IMAGEM AO LADO PARA AMPLIAR)
Família pregressa
Avós de Guaracy:
Luiz Antônio da Silveira
+ Maria Conceição de Toledo
Avós de Etelvina:
Não há registros
Pais de Guaracy:
Capitão Zeferino C. da Silveira + Ana Silvéria de Souza
Pais de Etelvina:
José Crem + Maria Weishaupt
Veja também: Anotações de punho intitulado “Minha vida pastoral”, escritas pelo Rev. Guaracy Silveira. Acesse aqui.
Assista abaixo ao vídeo da entrevista gravada com familiares do Rev. Guaracy Silveira
Pr. José Geraldo Magalhães
Publicado originalmente na edição de setembro de 2018 do Jornal Expositor Cristão impresso