Publicado por Redação em Notícia, Igreja e Sociedade, Atualidade, Banner - 02/10/2017 às 17:14:31
O amor como a raiz de todas as coisas boas
A propósito dos ataques a Terreiros de Candomblé
O vídeo que mostra um traficante armado com cassetete e arma de fogo obrigando um Babalorixá e uma Yalorixá a destruírem seus objetos e locais de cultos, além de revelar a existente intolerância para com as religiões de matriz africana, revelou também a existência de mais um tipo de crente, o/a evangélico/a traficante. Traficante evangélico/a, ou evangélico/a traficante (a ordem dos fatores não altera o mau testemunho), é algo que deveria soar tão estranho quanto judeu nazista. Deveria, mas já não soa, pois isso é parte do ônus a ser pago ao se tornar religião majoritária.
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Quando ocorre um crescimento massivo, mais fruto do pragmatismo do que da verdadeira evangelização discipuladora, logo o resultado será o surgimento de pessoas ou grupos que ostentam o rótulo, todavia, não possuem a essência. Isso ocorre no cristianismo desde que a Igreja saiu dos lares e das catacumbas de Roma e abraçou as benesses estatais a partir de Constantino. Ao se tornar maioria, ela ganhou em poder e quantidade numérica, mas perdeu em qualidade servil. Sendo quase 30% da população brasileira, hoje temos não só o/a traficante evangélico/a, mas também o/a adicto/a evangélico/a, o/a garoto/a de programa evangélico/a, o/a ator/atriz pornô evangélico/a, o/a pastor/a pedófilo/a, o/a pastor/a evangélico/a prostituto/a, o casal de bispos homossexuais, o/a evangélico/a espírita, o/a evangélico/a empresário/a, político/a e corrupto/a. Graças a Deus ainda existem os/as Evangélicos/as do Evangelho, não do movimento, mas do mover do Espírito. É graças à ação de Deus na vida desses homens e mulheres cristãos/ãs que a Igreja continua.
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Em relação aos “traficantes evangélicos”, cujo vídeo viralizou nas redes sociais e que traz à tona os atos praticados por traficantes ligados a líderes evangélicos/as que perseguem seguidores/as de religiões de matriz africana, repudiando o ato, penso que precisamos refletir seriamente sobre o que é de fato ser cristão/ã e quais são as implicâncias comportamentais subsequentes ao aderir à fé em Jesus Cristo. Dentro dessa linha de reflexão precisamos refletir também sobre o que temos ensinado aos/às novos/as cristãos/ãs. Como semeadores/as da paz, nós devemos ensinar que a conversão de alguém, o abandono ou mudança de religião é algo de foro íntimo, fruto de amadurecida reflexão, e que a conversão sincera é exclusivamente uma obra que cabe ao Espírito Santo. É preciso ensinar a viver na pluralidade, eu não preciso crer no que o/a outro/a crê para só então respeitar a sua crença. E não me torno menos cristão/ã fiel a Deus por respeitar o direito do/a outro/a em seguir uma religião diferente da minha.
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O anúncio do Evangelho é kerigmático, todavia, não há kerigma sem a experiência que leva a vivência. O verbalizar o Evangelho sem vivenciá-lo é contaminar a proclamação da mensagem. É preciso ver no/a outro/a e em sua religião pontos comuns, pontes, e a partir delas anunciar a Cristo, e penso que o amor é a maior forma de aproximação. O amor que se manifesta em atos está presente em quase todas as religiões. Amamos pelo viver o Evangelho e falamos por meio do anunciar verbalmente o Evangelho.
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Como declara Paulo, o qual teve que conviver com outros credos. Está escrito: Cri, por isso falei. Com esse mesmo espírito de fé nós também cremos e, por isso, falamos (2 Co 4.13). O viver tem a ver com o crer, o falar procede do crer e viver. Cremos, em amor vivemos e proclamamos, todavia, sabemos que a mudança do indivíduo é uma ação externa vinda de Deus que por meio de seu Espírito o penetra e de dentro para fora o transforma. Não é sem razão que escreveu Agostinho: “Muda o coração, e mudará o que praticas. Extirpa a cobiça, planta o amor. Assim como a raiz de todos os males é a cobiça, assim a raiz de todas as coisas boas é o amor”.
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O amor lança fora todo o medo e igualmente lança por terra toda forma de preconceito, discriminação e intolerância. No encontro e convívio com o diferente, só podemos dar ao/à outro/a aquilo ou Aquele a quem conhecemos, portanto, nas nossas relações cotidianas, tendo o discipulado pautado no viver de Cristo, e como estilo de vida prática, o maior testemunho de que conhecemos a Deus é o amor manifesto para com todos, razão pela qual João escreveu: “Amados, amemo-nos uns aos outros; porque o amor é de Deus; e qualquer que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor” (1 João 4.7,8).
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Pastor José do Carmo da Silva
Pessoa de Referência nas questões relacionadas ao combate e ao preconceito racial e ações correlatas | 5ª Região Eclesiástica
Publicado originalmente no Expositor Cristão de outubro/2017