Publicado por Redação em Episcopal, Opinião, Nacional - 26/10/2018 às 17:43:56

A vocação da Igreja no mundo


Hideide Brito Torres
Bispa Presidente 8ª Região Eclesiástica


Quando escrevo este texto, não sei qual o resultado das eleições presidenciais. Mas agora mesmo estamos em agito em todo o território nacional, sob as sacudidas de posições inclusive antagônicas sobre como a Igreja cristã brasileira agiu diante do pleito eleitoral. O tema da real vocação da Igreja perpassou meu coração. E meditei em 1 Pedro 2.1-10.

 

Uma construção sólida

Este texto é dirigido aos/ás judeus/as expulsos de Jerusalém (Atos 8.1). A perseguição cresceu por todo o Império Romano. Priscila e Áquila, conforme Atos 18.2, estavam entre as vítimas, que se sentiam nômades no mundo. Não poucas pessoas desanimaram de seguir os ensinos de Jesus.

Pedro lhes diz: vocês não são como seixos de rios, que rolam de um lado para o outro. São pedras de construção, sólidas, que suportam o peso e levantam as paredes. Sua vocação primordial é serem “edifício de Deus”, para a glória dEle habitar. Como isso pode ocorrer? Vamos nos concentrar no verso 9.

 

Raça eleita

Israel sempre se viu como um povo escolhido por Deus para ser testemunho entre os demais (Gênesis 12). Com o tempo, passou a sentir-se possuidor e dono desta verdade. Em Cristo, porém, os seres humanos todos são raça eleita. A palavra “eleição” indica escolha, opção de Deus. João Wesley declarou que Deus fez uma escolha sobre nós: “Com que propósito Deus levantou o povo metodista? Não para ser uma nova religião ou seita, mas para reformar a nação, particularmente a Igreja, e espalhar a santidade bíblica por toda a terra”. Cremos que participamos da vocação de Abraão: “Sê tu uma bênção”.
 

Sacerdócio real

É interessante que a Carta de Pedro una esses dois elementos distintos: o sacerdócio e a realeza. A realeza fala de governo e o sacerdócio fala da santidade. No mundo bíblico, ser sacerdote era falar das coisas do povo a Deus (ou seja, interceder) e falar das coisas de Deus ao povo (instruir, santificar). O sacerdote era a mão de Deus sobre o povo e as do povo em direção a Deus. Ele mantinha abertas as portas da casa de Deus para as pessoas entrarem. E mantinha o coração e os olhos do povo abertos a Deus, para sua palavra gerar efeito. E quão trágico foi toda vez que o sacerdócio se corrompeu!

Já o rei era um representante de Deus para exercer a administração da vida coletiva com base na justiça e no direito. A Igreja possui um caráter político, ou seja, ela trabalha para o bem-estar comunitário. Não somos como os reis e rainhas que usavam seu poder para monopolizar, matar, enriquecer. O poder em nós é para gerar a vida. Assim, a Igreja não exerce sua vocação política nos moldes deste mundo. Seu agir definitivo não é no espaço do sistema, pois estes modelos são mundanos e passam (embora precisemos de bons cristãos e cristãs na política). A realeza – dimensão política – da Igreja é conduzir as pessoas a uma vivência harmônica e igualitária, apontando para o Reino de Deus.

Ao ter isso como premissa, nós não nos isolamos do mundo. Certa vez, Wesley escreveu: “A lealdade ao governante é para mim um ramo essencial da religião e eu sentiria se qualquer metodista a esquecesse. Há, portanto, uma ligação estreita entre minha conduta religiosa e política; a mesma autoridade me ordena a temer a Deus e a honrar o rei”. Ele acreditava que Deus é a fonte de todo o poder, inclusive o civil. Portanto, a Igreja deveria exercer com consciência seu papel de cidadã e colaborar quando o modus operandi político divergisse dos conteúdos do temor a Deus. Prova disso foi sua luta pessoal junto ao parlamento inglês pelo fim da escravidão ou por condições mais justas de trabalho, pelo aumento do poder aquisitivo do povo para comprar seu pão.

 

Nação santa, propriedade de Deus

Aqui reside um aspecto que resume os itens anteriores, mas coloca um ponto a mais em nossa vocação como Igreja. Não dá para ser nação de um só. A Igreja tem uma vocação solidária, fraterna e comunitária. Quando houve rumores de que metodistas queriam separar-se da Igreja da Inglaterra (o que só aconteceu efetivamente depois da morte de João Wesley e por questões de sobrevivência à perseguição sofrida), Carlos, seu irmão, escreveu: “Nunca nos separaremos da Igreja da Inglaterra, até que sejamos conduzidos para aquela lá de cima”.

A vocação da Igreja é ser um só corpo em unidade, Hebreus adverte: “Não deixemos de congregar-nos”. A santidade supera a visão de pessoas melhores ou superiores. A santificação não é de um ser, mas do povo, da nação que, afinal, não pertence a si mesma.

 

A fim de proclamardes

Até esse momento, falamos do que a Igreja é. Agora, alcançamos o “para que” somos: para proclamar. Proclamar Jesus e suas virtudes, que nos tiram das trevas para a luz. Neste propósito, Wesley ensinou os/as primeiros/as metodistas a “expor a verdade clara para o povo simples”. Nada de pregações complicadas, de “revelações” perigosas, mas a pura e simples palavra de Deus, poderosa para salvar e transformar as vidas. Mensagem que vem de uma vida consagrada, da santificação interior e exterior. Ele declarou: “vis(o) distinguir o caminho de Deus de todos aqueles que são invenções humanas. Empenhei-me em descrever a religião verdadeira, bíblica, experimental, cuidando para não omitir alguma coisa que realmente lhe faça parte, nem acrescentar nada que não lhe pertença”. Enfim, integridade na proclamação.
 

Nesses tempos dúbios e aflitivos, e mediante a esperança que sempre temos de dias melhores, resgatar nossa vocação e a unidade deste serviço é fundamental. O mundo precisa desta Igreja una, santa e apostólica, no termo dos credos primitivos. Uma Igreja de poder.
 


Hideide Brito Torres
Bispa Presidente 8ª Região Eclesiástica
Publicado originalmente na edição de novembro de 2018 do Jornal Expositor Cristão impresso

 


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